Aqui. Nessa gaveta. Minha gaveta. Em um armário. Possivelmente, atrás de uma porta. Minha casa.


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A epopéia do ar

Vacilo os olhos

pelo quarto:

Armário; porta; parede; estante; janela; mesa; quadro.


Nesse quarto.

Imerso no ar,

insolúvel,

essa cena

congelada

- derretendo -

é corrompida:

tic tac tic tac.

O relógio não sabe brincar.


- Burro! Acreditas que enganas alguém? Gritei.


Ele zomba de mim.

Repetitivo, apático, inércia.

Inexorável.


Pelo quarto,

rebatendo pelos quatro cantos,

ele continua a cantar,

resmungar.

Já não suporto

acreditar; querer acreditar; fingir que acredito.

Fingir que me importo.


Um sopro, sorrateiro, repentino,

invade esse aquário,

aquário de ar.

Desequilíbrio,

desastre, confuso.

Estranho movimento

modifica tudo, purifica.

Os livros, levemente,

são tocados, retocados,

esperançosos.

Um, teimoso e corajoso,

tremula de três ou quatro páginas.

Em vão, logo passa, e se aquetam, todos,

novamente.


A janela é gradualmente atacada,

seduzida.

Honrada, se orgulha,

e luta contra o invasor,

e ganha.

O fogo, lá fora, queima!

E eu, aqui dentro, protegido.

Suporto esse relógio resmungão

e negligencio esses livros tristes.

Mergulhado nesse mar,

ar.

Esperando, alguma coisa,

coisa alguma:

Uma ponta,

ponto;

Um presságio,

ágil;

Um destino,

incerto.


Mas o tempo,

insolúvel,

se mistura no ar,

mar,

te engole,

te digere,

e te cospe

gasto,

imprestável.

2 comentários:

  1. cara... curto muito isso aqui:

    tic tac tic tac.
    O relógio não sabe brincar.

    pra mim é um poema em si.
    braço

    ResponderExcluir
  2. Nostalgia isn't what it used to be...

    ResponderExcluir