Aqui. Nessa gaveta. Minha gaveta. Em um armário. Possivelmente, atrás de uma porta. Minha casa.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

agora os móveis inabitados
todo o contra-movimento
de uma cadeira desocupada
e os vestígios do que era
quando ali
ele sentava para assistir televisão


hoje restou somente
o oposto do que é
e era o contrário e se não fosse
seria nada pois tudo é movimento
de uma sensação inteira de ser e
de pertencer
à carne espaço-temporal do paradoxo
entre não ser o que se tem sido


agora eu observo a televisão
secretamente esperando re-ser
e a cadeira vazia do que era
sou um espelho
que deixa de vigiar a casa
e irrefletido no seu interior
não é mais reflexo do passageiro e
faz em si impresso
na duplicação de objetos-verbos
ranhuras no tempo
saudade do passado
no negativo
ausente presente do indicativo
de quem era o que me fez
memória de ter sido


um esquecimento

que se faz hoje
do lembrar e sentir falta
do que ficou ali

gravado no tecido da casa

pó das lembranças

aqueles dias ficaram
nos leitos da memória
luz refratada
ou sol de cor
amarelada que entra e
se derrama pela casa:


eu
imerso no sofá da sala
observava em todos os cantos
os mais ínfimos detalhes da uniformidade
das paredes e que
os tons quentes desciam do céu e
aqueciam como a um recipiente e
entram pela porta da frente
atravessando tudo
até o corredor deixando
no rastro de um anguloso feixe
revelar a fina chuva prateada
ou o pó das lembranças
de coisas presentes mas
que só a memória nos fala