Aqui. Nessa gaveta. Minha gaveta. Em um armário. Possivelmente, atrás de uma porta. Minha casa.


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Chora sem parar

E pede água

Como se ela fosse secar


Sustenta o copo

Com as delicadas mãos

Que tremulam de desespero


E tempestuoso

O copo é levado até os lábios

E a água faz seu caminho

Cíclico

O frágil papel

Todos praticam

Das mesmas amarguras


Todos querem a mesma solução

Inatingível


Todos rasgam com anotações as páginas brancas de um caderno

Cheio de sentimentos

Transbordando sofrimentos


E o poeta desenha

Delicadamente


Desenha uma paisagem

Em que todos se encontram


Na qual todos se entendem

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A epopéia do ar

Vacilo os olhos

pelo quarto:

Armário; porta; parede; estante; janela; mesa; quadro.


Nesse quarto.

Imerso no ar,

insolúvel,

essa cena

congelada

- derretendo -

é corrompida:

tic tac tic tac.

O relógio não sabe brincar.


- Burro! Acreditas que enganas alguém? Gritei.


Ele zomba de mim.

Repetitivo, apático, inércia.

Inexorável.


Pelo quarto,

rebatendo pelos quatro cantos,

ele continua a cantar,

resmungar.

Já não suporto

acreditar; querer acreditar; fingir que acredito.

Fingir que me importo.


Um sopro, sorrateiro, repentino,

invade esse aquário,

aquário de ar.

Desequilíbrio,

desastre, confuso.

Estranho movimento

modifica tudo, purifica.

Os livros, levemente,

são tocados, retocados,

esperançosos.

Um, teimoso e corajoso,

tremula de três ou quatro páginas.

Em vão, logo passa, e se aquetam, todos,

novamente.


A janela é gradualmente atacada,

seduzida.

Honrada, se orgulha,

e luta contra o invasor,

e ganha.

O fogo, lá fora, queima!

E eu, aqui dentro, protegido.

Suporto esse relógio resmungão

e negligencio esses livros tristes.

Mergulhado nesse mar,

ar.

Esperando, alguma coisa,

coisa alguma:

Uma ponta,

ponto;

Um presságio,

ágil;

Um destino,

incerto.


Mas o tempo,

insolúvel,

se mistura no ar,

mar,

te engole,

te digere,

e te cospe

gasto,

imprestável.