escorre em gotas
goles d'água
em garrafas vazias
goles de saliva
quente alheia
escorre em tempo em
detalhes em pedaços
escorre e vão
embora para não mais voltar
em vão
e também para ficar para
sempre
escorre em gotas
goles d'água
em garrafas vazias
goles de saliva
quente alheia
escorre em tempo em
detalhes em pedaços
escorre e vão
embora para não mais voltar
em vão
e também para ficar para
sempre
São lagrimas as águas de um lago
É lago as lagrimas de um homem
É solidão as lagrimas que formam o lago
E dissimulado é o lago feito de solidão
Aqui
Dois pés atrapalhando o caminho das leves ondas
Pés calçados e encharcados
- de vergonha
Olhando a outra margem
Dois olhos no caminho da paisagem
Olhos soterrados no lodo
- da melancolia
Então os olhos fitam os pés
E os pés marcham em regresso
E o corpo quase desmaia
Em sua fraqueza
- conhecer o fim da história
Todos praticam
Das mesmas amarguras
Todos querem a mesma solução
Inatingível
Todos rasgam com anotações as páginas brancas de um caderno
Cheio de sentimentos
Transbordando sofrimentos
E o poeta desenha
Delicadamente
Desenha uma paisagem
Em que todos se encontram
Na qual todos se entendem
Vacilo os olhos
pelo quarto:
Armário; porta; parede; estante; janela; mesa; quadro.
Nesse quarto.
Imerso no ar,
insolúvel,
essa cena
congelada
- derretendo -
é corrompida:
tic tac tic tac.
O relógio não sabe brincar.
- Burro! Acreditas que enganas alguém? Gritei.
Ele zomba de mim.
Repetitivo, apático, inércia.
Inexorável.
Pelo quarto,
rebatendo pelos quatro cantos,
ele continua a cantar,
resmungar.
Já não suporto
acreditar; querer acreditar; fingir que acredito.
Fingir que me importo.
Um sopro, sorrateiro, repentino,
invade esse aquário,
aquário de ar.
Desequilíbrio,
desastre, confuso.
Estranho movimento
modifica tudo, purifica.
Os livros, levemente,
são tocados, retocados,
esperançosos.
Um, teimoso e corajoso,
tremula de três ou quatro páginas.
Em vão, logo passa, e se aquetam, todos,
novamente.
A janela é gradualmente atacada,
seduzida.
Honrada, se orgulha,
e luta contra o invasor,
e ganha.
O fogo, lá fora, queima!
E eu, aqui dentro, protegido.
Suporto esse relógio resmungão
e negligencio esses livros tristes.
Mergulhado nesse mar,
ar.
Esperando, alguma coisa,
coisa alguma:
Uma ponta,
ponto;
Um presságio,
ágil;
Um destino,
incerto.
Mas o tempo,
insolúvel,
se mistura no ar,
mar,
te engole,
te digere,
e te cospe
gasto,
imprestável.
Os Olhos
Os Olhos
Desses que invejam
E que mentem
E que fingem
E escondem
Os Olhos
Cintilantes
De quem se mostra
E pretende
Mas não diz
Os Olhos já disseram
Não me olhe com os seus
Não desse jeito
que não entendo
Pois os outros que nos olham
Esses para mim
fingem
Fingem que olham
Com olhos de mentira
E frases de gravador
Que repetem o mesmo
Os Olhos
Que não entendo
Que as vezes
Nem conheço
E tenho medo de conhecer
As coisas caem.
Mas não passam do chão.
Tua voz sutil previne:
- Não seja desastrado,
Cuidado ao caminhar na sala
Para não derrubar,
Os retratos,
As lembranças,
Aquela bela imagem.
Era um casal
Já de idade
Dançavam abraçados,
Enrolados, enlaçados,
Desajeitados, num samba
Difícil de dançar
...Iam pra lá
Iam pra cá...
Se divertiam
Sem muito aproveitar
Ao som da banda
Que aquecia o lugar,
Que insistia com o samba
P'r'ele se acostumar,
Com o humilde azo
De fazer dançar
Mas, não adiantava insistir,
Pois
O samba,
Ele não nasceu p'r'o frio
E aquele casal,
Agasalhados insistentes,
Enrolados, enlaçados,
Dançavam,
Desajeitados,
Nesse samba
Difícil de dançar
Que bom saber
que nunca acaba
Que quando te vejo
é um efeito
espelho espelho
onde a imagem
reflete a imagem
Da imagem megami aD
Da imagem megami aD
Da imagem megami aD
Da imagem megami aD
Da imagem megami aD
Da imagem megami aD
Da imagem megami aD
…
Se olharam de soslaio.
Quase se engoliram em vontade.
Então, ele disse:
– Não tem problema, não.
Não estou fazendo nada, mesmo.
Eu te espero.
Raiva:
tu bates as portas
pela casa.
Soco, impulso.
Pobre do armário,
indefeso.
Não abre mais.
Tu
corres para o pátio.
Desgosto e ódio.
Lá, te sujas de desejo.
Aqui, te espero,
sereno.
Fachada costumeira
cercado de madeira
tábuas, lado a lado,
não impedem a visão,
fingem proteger
o que não precisa proteção.
Mulher na cozinha
vê pela vidraça
o homem na calçada
de chimarrão na mão,
ocupado com idéias
mentindo solidão.